quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Caixinha de Pandora


Verdade e mentira, dois aspectos que moldam a visão diacrónica que temos do Mundo que nos rodeia. Ao longo das nossas vidas passamos por experiências que rotulamos como boas ou más, colhemos informação que classificamos como verdadeira ou falsa, e fazemos isto, na maioria das vezes, de forma compulsiva, semiautomática, sem uso total da nossa capacidade de raciocínio. O nosso cérebro, tal como um computador, biológico neste caso, vai armazenando informação e vai estabelecendo um sistema de crenças, aquilo que define todos e cada um de nós. É aquilo em que acreditamos, aquilo que somos, profundamente enraizado nos nossos cérebros na forma de circuitos nervosos. E quanto mais fortes forem essas crenças mais resistência o cérebro oferece em ceder a novas informações que possam por em causa o sistema de crenças estabelecido. Trata-se de um mecanismo de defesa biológico. Quando somos confrontados com opiniões que põem em causa aquilo em que acreditamos, o nosso cérebro começa a defender-se. Neste estado defensivo, começam a ser produzidos e lançados no cérebro químicos, neurotransmissores como a Norepinefrina, que afectam o pensamento racional e podem bloquear a memória operativa. São os mesmos químicos que são produzidos perante uma situação de vida ou morte, para tentar assegurar a nossa sobrevivência! Todos nós já sentimos isto, quando durante uma discussão ficamos bloqueados sem saber o que dizer, e só mais tarde, com calma, é que nos lembramos de tudo aquilo que havíamos de ter dito, porque durante a discussão o acesso à memória operativa estava comprometido. Quando estamos neste estado defensivo não analisamos correctamente a informação que nos chega e por vezes nem a retemos. Numa perspectiva global, a nossa sociedade comporta-se exactamente como o nosso cérebro. A nossa sociedade enfrenta hoje uma crise económica, politica, monetária, mas todas estas não são mais do que sintomas de uma crise muito mais profunda, uma crise na consciência. E de todos os males que assolam este Mundo, não há nada que nos assuste mais do que a ideia de nos enfrentarmos a nós mesmos. A colectividade que nos devia fortalecer, tornou-se no jugo que nos oprime e que nos impede de verdadeiramente brilhar e viver livremente. E pensar que somos uma raça de seres inteligentes, que viu nascer Miguel Ângelo e Da Vinci, Pitágoras e Platão, e que estamos agora tão anestesiados da realidade, num estado eterno de apatia mental. É a verdadeira mentalidade de ovelha, incapaz de pensar fora da curta percepção do rebanho, e se o faz, é imediatamente ostracizada e carimbada como ovelha negra, um epíteto que erradamente carrega uma conotação negativa. Uma ovelha negra é, na verdade, aquela que tem a capacidade de ver o Mundo pelos seus próprios olhos, e manifesta a sua diferença, independentemente daquilo que a colectividade do rebanho pensa. Infelizmente, o povo tende a pautar-se pela ignorância, e a história comprova-o. Estar bem adaptado a uma sociedade profundamente doente não é sinal de boa saúde! Felizmente, temos tido excelentes ovelhas negras ao longo da história, homens e mulheres que marcaram a diferença num Mundo repleto de ignorância. Um bom exemplo foi o Copérnico, que foi considerado maluco e perseguido pela inquisição porque veio dizer a público que é a Terra que gira à volta do Sol, e não o contrário! Aparentemente isto foi uma blasfémia, e queriam matá-lo por isto… por dizer a verdade. Nós, seres humanos, parece que temos alergia à verdade. Fugimos dela como o diabo da cruz, incapazes de tomar consciência de um princípio muito simples, o de que a verdade não deixa de o ser ainda que apenas uma pessoa acredite nela. Mas “nós” não queremos saber da verdade para nada, a verdade é por norma dolorosa quando se vive no Mundo das ilusões. A ilusão e a falta de raciocínio fazem parte do nosso quotidiano, e a promiscuidade alastra como uma praga de ratos fora de controlo! Um encarregado de educação recebe um telefonema da escola a informar que o Joãozinho roubou o lápis do colega. Furioso, começa o sermão: “-Não tens nada que roubar, isso é muito feio… e sabes perfeitamente que se precisares de lápis, dizes-me a mim, que eu trago-os lá do escritório onde trabalho”. Ora aqui está um bom mentor… na cabeça deste artista, a solução que apresentou já não é roubo… e o miúdo, coitado, começa desde cedo a ser doutrinado na ignorância e falta de raciocínio, até porque se disser ao Pai “-Mas isso também é roubo”, ainda leva alguma lambada nas bentas …o mal criado, a contestar a autoridade dos pais! E assim começa a ganhar forma um ignorantezito com valores morais bem estruturados… Talvez chegue a ministro, quem sabe! É o poder da velha máxima que diz que a felicidade e o céu pertencem aos pobres de espírito, que é como quem diz, ignorantes. A verdade é que nós gostamos de inspirar profundamente um boa lufada de mentiras e palermice, por isso é que elegemos o Cavaco, para termos uma boa dose em primeira mão! É claro que há sempre quem pense que eleger um político honesto é a solução, mas estas pessoas não fazem ideia do que estão a dizer! Se honestidade for introduzida na alta política, o sistema desmorona de imediato, perde todo o sentido! A nossa sociedade é um motor de ilusões, a mentira é o combustível, e a política é o lubrificante! Gostamos de anestesiar a verdade com eufemismos. Em Portugal já não temos austeridade, temos pequenas poupanças, que assim doem menos. Se ninguém tocar na palavra austeridade, então é porque não é austeridade. Dizem que há sinais de retoma, que o défice está a baixar, que estamos a sair da crise, mas o que vemos na rua é o contrário, o desemprego a aumentar, os ordenados a diminuir. Quem são os loucos afinal, eles que o dizem, ou nós que acreditamos? Parte deste problema que hoje enfrentamos, esta avalanche de desinformação, deve-se a uma caixinha que quase todos temos nas nossas casas. Há quem diga que faz parte da família, e há até quem não consiga viver sem ela, a televisão. É a companhia na solidão, o aconchego antes de dormir, a esperança em tempos difíceis, a informação em tempos de dúvida, a orientação em momentos de acção, a verdade absoluta exposta aos olhos de todos mas… como disse Joseph Goebbles, uma mentira contada mil vezes torna-se numa verdade. Ora este homem foi o ministro da propaganda Nazi, um génio lunático que sabia explorar as fraquezas da mente humana. A opinião de um homem é apenas o reflexo da qualidade da informação que recebe, daí a queima dos livros. Ele e o Hitler não queriam uma nação de pensadores que lêem livros, eles queriam uma nação de soldados obedientes. De notar, o primeiro país que o nazismo atacou foi a Alemanha, que sucumbiu ao poder da propaganda. A filosofia é muito simples, para ter uma nação unida é preciso ter um inimigo em comum, e se ele não existir, a propaganda trata de criá-lo! Felizmente, estes homens não tiveram acesso à tecnologia de hoje, senão estávamos todos a falar alemão! A propaganda é a arma de guerra psicológica mais poderosa que o homem jamais criou, e quando uma arma deste calibre cai nas mãos das pessoas erradas, só Deus sabe a porcaria que dali pode sair. Hoje a televisão representa em todo o seu esplendor o exponente máximo desta arma poderosa. Nós vivemos numa era de realidade virtual, um ambiente criado e totalmente controlado pelos meios de comunicação social, com destaque para a tv. A maioria das pessoas, especialmente os mais jovens, aceitam sem questionar a realidade que lhes é apresentada pela tv, quer seja em cultura popular, filmes, novelas, notícias… todos trazem mensagens sobre como funciona a sociedade e sobre como as pessoas devem comportar-se. Há gerações inteiras que não sabem mais nada desta vida a não ser aquilo que aprenderam na televisão. Elas vestem-se como na televisão, comem como na televisão, pensam como na televisão, falam como na televisão… vivem agarradas a sonhos e estereótipos que não são mais do que ilusões. A televisão não é a verdade! A televisão é um parque de diversões para a mente, é um circo, um Carnaval, uma parada de acrobatas, de contadores de histórias, de cómicos, cantores, malabaristas, aberrações, domadores de leões, políticos, gajas boas e jogadores de futebol! É o negócio da matança do tédio e do amolecimento da mente. As pessoas começam a identificar-se com aquilo que lá vêm, abstraindo-se cada vez mais daquilo que realmente são. Programas como o Big Brother, ou a Casa dos Segredos, são tudo menos inocentes. Eles carregam mensagens fortíssimas, e a mensagem que está na moda é “cada um para si”! Uma população dividida é facilmente alvo de manipulação, e enquanto estamos atentos a este tipo de programas, não estamos atentos aos assuntos que verdadeiramente têm impacto nas nossas vidas. Se queremos uma sociedade diferente desta em que vivemos, a mudança tem que começar dentro de cada um de nós. Devemos por à prova aquilo em que acreditamos, até porque, somente os pequenos segredos precisam ser guardados. Os grandes segredos são guardados pela incredulidade do povo!